Uma mãe melhor
Durante o período que passei em casa, de licença médica, percebi que eu precisava ser uma mãe melhor para os meninos. Não somente a mãe preocupada com higiene, alimentação, educação e disciplina, mas uma mãe gentil. Chegou o dia em que um pensamento estranho a minha essência tomou conta de mim: estar com meus filhos era um fardo. Como eu poderia pensar isso se sempre quis ter filhos e cuidar bem deles? Por alguma loucura mental, criei que os meninos precisavam sempre me obedecer, fazer suas tarefas sem reclamar, comer os alimentos rapidamente e sem sujeira, catar os brinquedos espalhados sem que eu insistisse e etc, etc, etc. Entrei na paranóia de pensar que eles deveriam, deveriam e deveriam fazer tudo o que eu queria. Eu realmente acreditei nisso.
A minha realidade é a seguinte:
Os meninos acordam após as 9h e não querem tomar café. Eu os chamo, mas eles choramingam dizendo que não querem e não vão. Quando estão de bom humor fogem de mim correndo pela casa e gargalhando. Peço que lavem as mãos, mas eles nem se mexem; quando insisto eles choramingam sem querer. Na hora do almoço, a mesma coisa. Coloco os pratos e o peço para lavar as mãos. Contudo, os dois nem se mexem. Insisto novamente e eles choramingam sem querer obedecer. Tenho que levar um por um ao banheiro para que façam o que pedi. Depois de muita insistência e chororô, eles se sentam à mesa. Com as mãos, eles comem o que mais os atrai e depois vão brincar de jogar comida, cantar, gritar como tenores, empurrar um ao outro com os pés, etc. Quando peço que comam, me ignoram. Pego a colher e dou a comida na boca deles. Eles rodam a comida na boca sem engolir: coloco seus pratos 12h, mas eles só acabam de almoçar uns 50 minutos depois, assim, temos que sair correndo para não chegar atrasados na escola do Dudu que começa às 13h30min. Depois que eles comem precisamos escovar os dentes, passar fio dental e trocar o uniforme, tudo feito com choramingos de descontentamento de ambos. Na hora de pegar o elevador, eles apertam todos os botões e paramos em todos os andares. Descendo a escada, o Dudu arremessa sua pobre mochila no chão. Ao entrar no carro, ficam em pé brincando com o botão do vidro elétrico e dando sopapos um no outro. E assim por diante, todos os dias. Rs... Os meninos não fazem nada relacionado a higiene, alimentação e sono sem expressar descontentamento, choros e porques com voz esganecida. Para que eles tirem as roupas e tomem banho é uma batalha diária de argumentos, conversas, tentativas, desistências, etc...
Diante dessa realidade totalmente oposta ao ideal de filhos que criei, meu pensamento se revoltou contra os meninos que seriam supostos seres indolentes e defeituosos. Que loucura! Eu não aceitava os meninos como eram, reclamava o dia inteiro de tudo, da hora que eles acordavam até a hora que eles dormiam. Eu “tinha” que mudar essas crianças a qualquer custo. Todos os dias eu me levantava, pensava em tudo que “tinha que fazer” e bradava com raiva:
- Meninos, fazer xixi, lavar as mãos e tomar café!
Imediatamente o Dudu replicava choramingando:
- Não quero lanchaaaaaar! Não quero fazer xixiiiiiiiiii!
Isso bastava para me irritar e me fazer reclamar do menino. Na minha cabeça, o Dudu devia fazer suas obrigações sem reclamar e não aceitava o fato dele não querer fazer o que eu mandava.
“Por que esse menino reclama tanto? O que ele tem de errado? Por que preciso mandar que ele faça as mesmas coisas todos os dias? Que menino reclamento! ”
Quando eu pensava assim, tinha vontade de brigar com ele, colocá-lo de castigo e dar-lhe palmadas. E todos os dias eu fazia isso.
Perto da hora do almoço eu já me arrepiava com o pensamento: “Meu Deus, será um inferno como ontem!”
Os meninos nunca queriam parar o que estivessem fazendo para almoçar. Choramingavam para não lavar as mãos e nem sentar-se à mesa. Eu colocava a comida deles e começava a guerra. Mãe versus filhos. Resultado do combate: mãe perde todas as vezes. Rs....
Eu brigava: Comam a comida! Não jogue a comida, Guilherme! Tire a mão debaixo da toalha, Dudu! Vc vai derramar a água! Pare de gritar na hora da refeição, Dudu! Parem de empurrar um ao outro com os pés debaixo da mesa. Vcs vão apanhar se jogarem comida! Coma sua comida em vez de ficar cantando! Não vou te dar a comida na boca, pois vc já tem 4 anos! Abra a boca, Guilherme! Se vc vomitar eu vou te bater!
Um dia, o Gui vomitou e poft! Dei um tapa no braço dele por ter vomitado a comida no prato. Não me orgulho disso. Fiquei traumatizada como minha ação e me senti igual àquelas babás que aparecem no jornal maltratando as crianças. Que coisa horrível! Eu me transformara num monstro para os meus próprios filhos! Em algum ponto perdi o rumo e me tornei grosseira, bruta e cruel. Esqueci de ser leve, tolerante, de relevar coisas sem importância, de aproveitar o agora com os meninos.
Felizmente o mundo nos dá dicas de coisas erradas que andamos fazendo.
Assistindo TV com o Dudu. Numa propaganda do Cartoon onde uma menininha coloca a boneca para comer e manda que a boneca coma. Depois, ela diz à boneca que ficará de castigo por não comer. A boneca cai da cadeira do castigo e a menina bate na boneca. No final, a mensagem da propaganda é para que ensine a criança com paciência e sem violência. Após a propaganda, o Dudu falou:
- Mamãe, vc faz assim comigo.
Eu confesso que me senti péssima. Eu realmente era a menininha da propaganda que eu não queria ser. Algo precisava mudar.
Roupa suja. Cheguei a um nível de raiva tão grande que a mínima gota de suco que caia na roupa era motivo para eu gritar no ouvido dos meninos dizendo quantas vezes eu os havia advertido para que não fizessem bagunça. Por tudo eu me irritava e reclamava. O clima estava tão estranho que os meninos pararam de conversar comigo. O Dudu ficava entre o computador e a TV e o Gui entre a TV e os DVDs do Hi 5.
A promessa. Fiz uma promessa para mim mesma de que não bateria mais nos meus filhos. Eu não estava feliz comigo como mãe e pedi a Deus que me ajudasse, pois eu não sabia como fazer, mas sabia que eu precisava ser diferente. Depois do câncer, eu sempre pedia a Deus para me dar vida e saúde para criar os meninos, contudo eu não estava agindo direito com eles. Eu era uma chata sem carinho. O dia todo eu mandava e os meninos reclamavam (pelo menos na minha concepção). Eu batia e os meninos choravam. Eu sentia remorso e os meninos se afastavam.
Minha oração antes de dormir passou a ser: "Deus, me ajuda a ser uma mãe melhor para os meus filhos, pois não tenho sido o que gostaria".
E de alguma forma Deus ouviu meu pedido.
Constatação. Quando a realidade chegou à minha mente, descobri que meus filhos nunca me deram trabalho algum e tudo não passava de fruto dos meus pensamentos que criavam uma utopia de vida perfeita. Tudo era problema meu, pois eu não aceitava a vida como ela era e isso me fazia sofrer.
Eu julgava os meninos de reclamentos e lamurientos, mas na verdade quem era assim era eu mesma. Os meninos eram somente o meu reflexo. Passei a observar que tudo que eles faziam de errado, era o que eu fazia com eles.
Por exemplo: Eu reclamava mandando que catassem seus brinquedos. Eles choramingavam sem querer. Eles pediam que eu ajudasse, mas eu dizia que não. Eles tinham feito a bagunça, eles arrumariam sozinhos. O fato é que eu nunca queria catar os brinquedos, mas acabava catando com raiva e reclamando o tempo todo. Percebi dois ensinamentos problemáticos: não ajudar meus filhos e reclamar deles. Resultado: o Dudu reclamava o dia inteiro imitando o que eu ensinei a ele. Quando eu pedia para um dos meninos alguma gentileza de pegar qualquer coisa eles sempre negavam agindo do jeito que eu agia. Eu me perguntei: o que estou ensinando a esses meninos? Que belo exemplo eu estou passando a eles? Lembrei-me de ouvir que o exemplo dos pais era mais forte que qualquer conselho. Finalmente consegui entender o que isso significava.
Uma lição para a mãe. No fim de semana, o Dudu desligou a TV da casa de minha mãe após ter pedido para minha irmã pegar alguma coisa para ele que ela não quis pegar por assistir a um programa. Achei uma afronta terrível, briguei com ele e o coloquei de castigo. Depois disso fiquei pensando e a realidade novamente tocou feriu minha alma. O Dudu fez com minha irmã o que faço todos os dias com ele. Quando quero que os meninos sentem-se à mesa na hora das refeições, desligo a TV com raiva e berro para que façam o que mando. Mais uma vez constatei que meu filho é apenas o reflexo do que sou. Como posso ser tão arrogante de pensar o quanto ele é mal educado, quando eu é que sou mal educada? Está fazendo sentido aquela frase: meu filho, meu maior mestre.
Tenho tentado ser uma pessoa melhor, uma mãe melhor, uma esposa melhor e cada vez que consigo alguma superação, me sinto feliz.
Não quero! Algo que me incomodava no Dudu era sua indisposição para qualquer coisa que eu falava para ele fazer. Ele nunca queria sair do micro para almoçar, deixar de assistir TV para tomar banho, parar de brincar para dormir. Tudo que eu mandava, ele não queria fazer. Após me observar, percebi que tudo que o Dudu me pedia, eu dizia estar fazendo algo importante e que depois iria. Eu nunca queria parar de fazer minhas coisas para fazer algo pelo Dudu. Exatamente a mesma resposta que ele me dava. Parei de reclamar do Dudu e fiz o compromisso de atendê-lo prontamente, sempre que demandasse algo de mim.
O milagre passou a acontecer todos os dias! Os meninos ainda reclamam, mas isso agora não me incomoda mais! Quando me pedem ajuda para catar os brinquedos eu ajudo sem reclamar. Quando eu mando que guardem a bagunça e eles não querem eu começo a aguardar e logo os dois vem me ajudar. Sempre que não espero que eles façam o que acho que devem fazer, eu mesma faço tudo e me sinto tranquila. Troquei meus NÃOs por sim, sim e sim. Todo dia eu acordo e minha meta é: quero ser gentil com meus meninos. Quando não consigo, peço a Deus que me ajude. Meus filhinhos tão preciosos, mesmo com uma mãe enjoada como eu me amam tanto e nem sei como conseguem.
Regra para o castigo. Tenho buscado mais tolerância para lidar com o dia a dia dos meninos, afinal eu sou adulta e preciso agir como tal, não mais me comportar como criança. O Dudu gostou muito quando ao argumentar comigo eu reconheci sua razão. Outro dia, o Guilherme ficou com raiva de um brinquedo e o arremessou na cadeira. Fiquei com raiva e o mandei para o castigo. Na mesma hora o Dudu apareceu e falou que eu não devia deixar o Gui de castigo. Eu perguntei se o Dudu sabia porque o irmão cumpria a pena e que perguntasse ao Gui o acontecido. Após ouvir o irmão, o Dudu virou para mim e disse com propriedade:
- Mãe, isso não é motivo para colocar o Gui de castigo! (Dudu)
Achei bonito o Dudu defender o Guilherme e me rendi ao desejo dos meninos.
Pouco tempo depois, o Dudu continuou relembrando o assunto e eu aproveitei a situação para perguntar:
- Dudu, qual é o motivo válido para o Guilherme ficar de castigo?
- Quando ele bater em vc ou no papai. (Dudu)
- Está bem, Dudu! Vc tem razão! Rs....
Minha luz. Algo que me motivou a mudar de comportamento foi o exemplo da minha sogra. Ela sempre de bom humor, cuidando com tanto carinho dos meus filhos iluminou meus olhos cegos e pude perceber que eu estava errada. Eu quero ser como ela...
Quem sabe um dia...
Beijos a todas.
Quem sabe um dia...
Beijos a todas.